Vara utiliza método inédito na solução de conflitos domésticos

Uma metodologia inédita está sendo utilizada na solução de conflitos domésticos em Belo Horizonte. Batizada como “audiência de fortalecimento” por seu idealizador, o juiz Marcelo Gonçalves de Paula, a prática dá oportunidade à mulher de dizer ao agressor, que só escuta, tudo aquilo que sempre a incomodou e a oprimiu durante o tempo em que tiveram um relacionamento conturbado.
 
Essa nova modalidade de audiência tem sido realizada nas ações de medidas protetivas que tramitam na 14a Vara Criminal – especializada em crimes previstos na Lei Maria da Penha –, nos casos em que o agressor é reincidente no descumprimento de medidas protetivas já aplicadas anteriormente. “Ela fala; ele escuta, somente”, conta o juiz Marcelo de Paula, titular da vara.
 
A prática tem o objetivo de “desconstituir uma das principais bases do machismo, que é a submissão”, explica o juiz. Nesse contexto, a proposta do projeto é estimular “inversão dos valores vigentes: fazer com que a mulher saia da posição de vítima e assuma um papel de protagonista da mudança”, acrescenta.
 
Em cada caso, a conveniência de realizar esse tipo de audiência é avaliada pelo Ministério Público (MP), pela Defensoria Pública (DP) e pelo juiz, e deve haver consenso. Desde o início do projeto-piloto, 19 audiências já foram realizadas, e em nenhum caso houve reincidência.
 
A ideia para criar esse procedimento, segundo o juiz, veio depois de ele observar a relação entre agressor e vítima. O magistrado percebeu que uma das grandes bases da relação que resulta num ato de violência é a submissão, além da consciência, por parte do agressor, do medo que a vítima sente dele.
 
Metodologia
Na audiência, a mulher é então convidada a falar o que quiser. “Disse que ele não era meu dono, que aquilo que ele estava fazendo não era papel de homem, que ele devia me respeitar e respeitar os nossos filhos. Fui falando por quase uma hora; não sei de onde tirei tanta força”, contou Antônia à jornalista Regina Bandeira, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Segundo o juiz, outra mulher que participou do projeto escreveu uma carta que foi lida ao ex-companheiro.
 
A metodologia proposta muda paradigmas no atendimento dado pelo Estado à mulher em situação de violência doméstica. Até então, explica o juiz, vítima e agressor não se encontravam, preferencialmente. Para ele, no entanto, em determinados casos é importante que esse encontro aconteça. Após 11 anos de vigência da Lei Maria da Penha, o juiz acredita que seja a hora de pensar novas formas de enfrentar o problema da violência doméstica.
 
A coordenadora do Núcleo Especial de Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem) da Defensoria Pública, Maria Cecília Oliveira, destaca que a audiência de fortalecimento é capaz de tirar a mulher da situação de “eterna vítima”. “Muitas vezes, com o intuito de proteger, acabamos fazendo com que a mulher nunca abandone o papel de vítima. E não é essa a intenção da Lei Maria da Penha. A lei não é assistencialista, protecionista, ela é empoderadora”, explica a defensora.
 
Essa nova forma de enfretamento à violência doméstica não se restringe à realização da audiência de fortalecimento. O juiz explica que depois desse encontro o agressor é obrigado a frequentar os grupos reflexivos promovidos pela Polícia Civil. As sessões, em grupo, são realizadas com o apoio de uma equipe multidisciplinar. Já a mulher é encaminhada para um instituto de apoio, que também conta com uma equipe multidisciplinar e é ligado à Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social (Sedese). Após essas etapas, o juiz retoma o caso e analisa se outras medidas precisam ser tomadas.

 

O juiz Marcelo Gonçalves de Paula, que também é integrante da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Comsiv) do TJMG, conta que o órgão apoia o projeto e que a 3a Vice-Presidência do TJMG estuda a inclusão da ação no Projeto de Justiça Restaurativa em andamento no TJMG.

 

Fonte: TJMG (15/08/2017)